Foto: Shark
Bênçãos
Bem hajas, ó luz do sol
Dos órfãos gasalho e manto,
Imenso eterno farol
Deste mar largo de pranto
Bem hajas, água da fonte,
Que não desprezas ninguém:
Bem-haja a urze do monte,
Que é lenha de quem não tem.
Bem hajam rios e relvas,
Paraíso dos pastores!
Bem hajam aves das selvas,
Musica dos lavradores!
Bem haja o cheiro da flor
Que alegra o lidar campestre;
E o regalo do pastor,
A negra amora silvestre!
Bem haja o repouso à sexta
Do lavrador e da enxada:
E a madressilva modesta
Que espreita à beira da estrada!
Triste de quem der um ai
Sem achar eco em ninguém!
Felizes os que tem pai,
Mimosos os que tem mãe!
Tomás Ribeiro
361 - A Dança
Foto: Shark
A DANÇA
Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.
Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.
Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
Se não assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
Pablo Neruda
359 - Água corrente
Foto: Shark
ÁGUA CORRENTE
Água clara da corrente
Que vais tu a lamentar?São lembranças da nascente
Ou pressa de ir ter ao mar?
Correndo, correndo,
Sem nunca parar,
Em busca do rio,
Caminho do mar,
De noite e de dia,
A água a correr,
ao rio irá dar,
Ao mar há-de ir ter.
Que dizes tu ribeirinho?
Que dizes, que eu não te entendo?
Não te cansas no caminho,
A toda a hora correndo?
Lava roupa à lavadeira,
Põe a azenha a trabalhar,
Não vás assim de carreira,
Tens tempo de ver o mar…
In Livro de leitura da 4ª. classe edição 1931
358 - Pregões de Lisboa
Foto: Shark
Pregões de Lisboa
Manhã cedo. O sol dourado
A tudo vai dando cor:
Há já vida na cidade
Já nela se ouve rumor
Vendedores ambulantes
Começam a aparecer
Vamos lá ver, ó fregueses
O que trazem p’ra vender
Oito horas. À nossa porta
Passa agora a tia Chica
Com sua voz compassada
Apregoa: «Fava rica»
Lá vem também a peixeira
Com seu trajo pitoresco,
Dizendo: «Oh! Viva da Costa»
Ou então «Carapau fresco»
E agora, de toda a parte
Se ouve gente que apregoa,
Gritando: «Quem quer laranja,
Quem compra laranja boa?...
«Merca o cabaz de morangos…»
«Século. Noticias. Voz…»
Oh! Boa amora da horta…»
«Quem quer ameijoas p’ra arroz?»
«Erre, erre, mexilhão…»
«Oh! Pescadinha marmota…»
«Compra o raminho de flores…»
«Oh! Figos de capa rota…»
E com a lata no braço
Fresquinha qual fresco arroio,
Passa linda vendedeira,
Cantando: Oh! Queijo saloio…»
E tudo lá vão deixando,
P’la cidade, os vendedores.
Mas, para ganhar a vida
Que canseiras, que suores!
“Pregões de Lisboa”, autor anónimo in Livro de leitura da 3ª classe 1950/51
356 - Sonho
Sonho-te amor na madrugada:
O meu nome murmuras com doçura
A tua boca em minha boca desesperada
Teu corpo em meu corpo uma loucura
Segredas-me o amor do tempo antigo
Em silêncio guardo os meus desejos
E peço à vida apenas não me negue
O calor da tua boca teus doces beijos
Sonhei como quem sonha um poema
Sonhei como quem sonha a primavera
Desfaleço ao acordar sem teu sorriso
Choro a dor que o meu peito encerra.
Braços vazios e coração despedaçado
Tendo por companhia a pouca sorte
Sou a tristeza, a nostalgia, a saudade
E sinto em mim o gélido frio da morte
O meu nome murmuras com doçura
A tua boca em minha boca desesperada
Teu corpo em meu corpo uma loucura
Segredas-me o amor do tempo antigo
Em silêncio guardo os meus desejos
E peço à vida apenas não me negue
O calor da tua boca teus doces beijos
Sonhei como quem sonha um poema
Sonhei como quem sonha a primavera
Desfaleço ao acordar sem teu sorriso
Choro a dor que o meu peito encerra.
Braços vazios e coração despedaçado
Tendo por companhia a pouca sorte
Sou a tristeza, a nostalgia, a saudade
E sinto em mim o gélido frio da morte
355 - Chegou num abraço a madrugada
Chegou num abraço a madrugada
Envolta em languidez tamanha
Trazendo, vinda não sei de onde
A cadência de uma sinfonia estranha
O brilho das estrelas reluzindo
Desce do céu em doce companhia
Sendo os teus olhos, a luz que alumia
Que aquece e incendeia, a minha poesia
Esta amizade que entre nós flutua
Cúmplices, vivendo de um amor antigo
Eternamente presos a uma só verdade
Embora longe sinto, estás comigo
Quero-te tanto mesmo não sendo tua
Meu terno amor, minha infeliz saudade
354 - Tela de Pintor
Na imensa solidão do Alentejo
Em tardes salpicadas de saudade
Recordações de ti já tão distantes
Acodem ao meu peito tão presentes
E mesmo na escuridão da noite
Nas horas tristes deste madrugar
Qual pintor cogitando as cores
Invento a doce luz do teu olhar
Nas cores da paleta desta tela
Que teimo dia a dia em recriar
Misturo a amargura e a saudade
E vou vivendo assim da nostalgia
Desta tristeza que persiste em mim ficar
E sonho fantasias de encantar
353 - Ninguém
Foto: Shark
São para ti
estas palavras meu amor
Dizer-tas desta forma
É meu castigo
Vivi,
Sonhando contigo a vida inteira
E agora que te encontrei
só posso chamar-te
Meu Amigo.
352 - Arco da Velha
Foto: Shark
Arco de vella
Arco de vella, arco de vella,
ponnos o ceo limpo e azul.
Arco de vella, riso das nubes,
as sete cores fillas da luz.
A vermella está no viño,
nos beizos e nas cereixas,
nas fazulas dos rapaces
e nas feridas das guerras.
Vive a laranxa no lume,
parte o nome coas laranxas,
tingue o cabelo do sol
cando o sol toca as montañas.
A amarela anda no mel,
no millo e mais no centeo,
no sol e nas bolboretas,
nas follas que tira o vento.
Corre a verde polos prados,
repousa nas matogueiras,
está na pel das mazás,
vive no limo das pedras.
Azul e anil van no mar,
as dúas son mariñeiras.
Azul gusta de voar
e case toca as estrelas.
Violeta anda nas flores
e recende coma elas.
É unha cor moi delgadiña,
case se perde na néboa.
Arco de vella
Arco de vella, arco de vella,
ponnos o ceo limpo e azul.
Arco de vella, riso das nubes,
as sete cores fillas da luz.
A vermella está no viño,
nos beizos e nas cereixas,
nas fazulas dos rapaces
e nas feridas das guerras.
Vive a laranxa no lume,
parte o nome coas laranxas,
tingue o cabelo do sol
cando o sol toca as montañas.
A amarela anda no mel,
no millo e mais no centeo,
no sol e nas bolboretas,
nas follas que tira o vento.
Corre a verde polos prados,
repousa nas matogueiras,
está na pel das mazás,
vive no limo das pedras.
Azul e anil van no mar,
as dúas son mariñeiras.
Azul gusta de voar
e case toca as estrelas.
Violeta anda nas flores
e recende coma elas.
É unha cor moi delgadiña,
case se perde na néboa.
Marica Campo, Lourdes Maceiras, Helena Villar Janeiro
350 - Felicidade
Onde estás Felicidade
Que nunca te encontrei
A tantos já ouvi
Falar tão bem de ti
Mas se és boa não sei
Onde estás Felicidade
Que não te chego a ver
Cruzaste já por mim
Mas nem sequer assim
Te deste a conhecer
À minha porta um dia
Bateste que alegria
Por saber que me procuravas
Feliz só por te ouvir
Correndo fui abrir
Mas tu já lá não estavas
Quantas vezes perguntei
Como és Felicidade
Sentir-te quem me dera
Eu estou à tua espera
Felicidade onde estás?
349 - FUMO
Fumo
Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!
Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas…
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!
Os dias são Outonos: choram… choram…
Há crisântemos roxos que descoram…
Há murmúrios dolentes de segredos…
Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!…
Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!
Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas…
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!
Os dias são Outonos: choram… choram…
Há crisântemos roxos que descoram…
Há murmúrios dolentes de segredos…
Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!…
Florbela Espanca
348 - O Poeta e a Rosa
Ao ver uma rosa branca
O poeta disse: Que linda!
Cantarei sua beleza
Como ninguém nunca ainda!
Qual não é sua surpresa
Ao ver, à sua oração
A rosa branca ir ficando
Rubra de indignação.
É que a rosa, além de branca(
Diga-se isso a bem da rosa...)
Era da espécie mais franca
E da seiva mais raivosa.
- Que foi? - balbucia o poeta
E a rosa; - Calhorda que és!
Pára de olhar para cima!
Mira o que tens a teus pés!
E o poeta vê uma criança
Suja, esquálida, andrajosa
Comendo um torrão da terra
Que dera existência à rosa.
- São milhões! - a rosa berra
Milhões a morrer de fome
E tu, na tua vaidade
Querendo usar do meu nome!...
E num acesso de ira
Arranca as pétalas, lança-as
Fora, como a dar comida
A todas essas crianças.
O poeta baixa a cabeça.
- É aqui que a rosa respira...
Geme o vento. Morre a rosa.
E um passarinho que ouvira
Quietinho toda a disputa
Tira do galho uma reta
E ainda faz um cocozinho
Na cabeça do poeta.
Vinicius de Morais